A ZEROPEIA
(Herbert de Souza – BETINHO)
Ia uma centopeia com suas cem patinhas pelo caminho quando topou com uma
barata.
Vendo tantas patinhas num bicho só, a barata ficou boquiaberta:
Vendo tantas patinhas num bicho só, a barata ficou boquiaberta:
-Mas Dona Centopeia, pra que tantas patinhas? A senhora precisa mesmo
delas? Olha, eu tenho só seis e são mais do que suficientes! Posso fazer tudo,
correr, trepar nas paredes, me esconder nos buracos. Ninguém consegue me
acertar na primeira, nem na segunda chinelada!
- É – respondeu a centopeia -, eu não havia pensado nisso! E olha que
tenho essas cem patinhas desde que nasci cinquenta de um lado e cinquenta do
outro...
- Como a senhora faz quando tem uma coceira? – perguntou a barata - Já
imaginou o trabalhão, coçando daqui e dali sem parar? Deve ser um inferno ter
tantas patinhas! Por que a senhora não amarra noventa e quatro e fica com seis
como eu? Vai ficar muito mais fácil e a senhora vai poder inclusive correr
muito mais, como eu.
A centopeia nem pensou e amarrou as noventa e quatro patinhas. Doeu um
pouco com todos aqueles nós, mas era necessário, e continuou a andar.
Lá na frente se encontrou com um boi.
Quando o boi viu a centopeia andando com seis patas ficou intrigado:
- Dona centopeia por que seis patas? Para que tantas? Olhe, eu só tenho
quatro e faço o que quero! Corro, participo de touradas, pulo cerca quando
quero, sou forte e todo mundo me admira! Por que a senhora não amarra mais duas
patinhas e fica com quatro? Vai ficar mais ágil e vai correr tanto quanto eu...
A centopeia amarrou mais duas patinhas. Doeu um pouco, já estava quase
dando câimbra, mas era necessário, e continuou a andar.
Lá mais na frente, já andando com certa dificuldade, a centopeia se
encontrou com
o macaco.
Quando o macaco viu a centopeia andando com quatro patas, ficou curioso.
Olhou bem, contou e recontou, e não se conteve:
- Mas... Dona centopeia, por que tanta pata se a senhora pode andar com
apenas duas, como eu?Veja como eu faço: pulo de galho em galho, corro, ninguém
me pega nesta floresta. Por que a senhora não amarra mais duas patinhas e fica
assim, como eu?
A centopeia nem pensou e amarrou mais duas patinhas. Agora só tinha duas
patinhas livres, poderia viver em paz, como a maioria dos bichos da floresta, e
se parecia até com as pessoas, podia até pensar em ter nome de gente, como
Maria ou Florinda.
E continuou a andar, com muita dificuldade, mas tranquila. Havia seguido todos os conselhos que recebera pelo caminho.Velhos tempos aqueles em que tinha cem patinhas livres! Quanto trabalho à toa! E continuou a andar.
E continuou a andar, com muita dificuldade, mas tranquila. Havia seguido todos os conselhos que recebera pelo caminho.Velhos tempos aqueles em que tinha cem patinhas livres! Quanto trabalho à toa! E continuou a andar.
Mas lá na volta do caminho, de repente, viu a dona cobra!
A centopeia sentiu um friozinho na barriga.
- I! – pensou ela – a dona cobra nem patas têm!
Não deu outra. Quando a cobra viu a centopeia com suas duas patinhas,
foi logo parando e dizendo:
- Por que andar com essas duas patas num corpo tão comprido e
desajeitado? Será que você não sente que está sendo ridícula andando só com
duas patas? E, afinal de contas, pra que patas pra andar? Não vê como eu corro,
escapo, ataco, meto medo, serpenteio, subo em árvores e até nado sem patas? Por
que não completa a obra e amarra tudo de uma vez?
A centopeia então, amarrou as suas últimas patinhas, pensando que podia
ser que nem a cobra. E não podia. Ali mesmo ficou pedindo socorro e gritando
por todos os bichos da floresta:- Ei, dona barata, seu boi, seu macaco, dona
cobra! Venham me ajudar! Não consigo mais andar! Eu, que tinha cem patinhas,
deixei de ser uma centopeia e acabei virando uma zeropeia! A turma da floresta,
pra consertar a situação, teve então uma ideia, a de fazer um carrinho bem
comprido para a centopeia poder se locomover. A centopeia ia virar a primeira zeropeia
motorizada da floresta!
- Mas como é que eu vou dirigir esse carro se não tenho mais patinhas?
Foi um drama! Os bichos foram logo discutindo:
- A barata dirige, pois foi ela quem mandou amarrar noventa e quatro
patinhas de uma só vez!
- Não, não, não! Dirige o boi, que mandou amarrar mais duas patas!
- Melhor o macaco, que mandou amarrar mais duas.
- Negativo! Dirige a cobra, que mandou amarrar tudo. Até que a centopeia
se deu conta, pensou bem pensado e disse para todo mundo:
- É, gente, a culpa é minha! Eu não devia ter escutado essa conversa
fiada de amarrar patinhas! Eu não sou barata, não sou boi, não sou macaco e nem
cobra; eu sou é eu mesma, uma centopeia que quase virou uma zeropeia.
A centopeia agradeceu o carrinho, mas, mandou a bicharada desamarrar
todas as suas patinhas. E decidiu que o mais importante era ser ela mesma e ter
as suas próprias ideias na cabeça...
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