A Bruxa da Rua Mufetar
Pierre Gripari
Era uma vez uma bruxa velha que
morava em Paris, no bairro dos Gobelins. Era uma bruxa muito velha mesmo, e
muito feia, mas o maior desejo dela era se transformar na moça mais linda do
mundo.
Um belo dia, ela viu um anúncio
no Jornal das Bruxas:
MINHA SENHORA! Se a senhora é
VELHA e FEIA pode tornar-se JOVEM e BONITA! É só COMER UMA MENINA com molho de
tomate!
E, mais embaixo, com letras
menores:
Atenção! É indispensável que o
nome da menina comece com a letra N!
Ora, naquele bairro havia uma
menina que se chamava Nádia. Era a filha mais velha do Seu Said, o dono da
mercearia da rua Brocá.
“Tenho que comer a Nádia”,
pensou a bruxa.
Certo dia, a Nádia estava indo
até a padaria, quando uma velhinha começou a puxar conversa com ela.
– Bom dia, Nádia!
– Bom dia, minha senhora!
– Pode me fazer um favor?
– Que favor?
– Queria que você me trouxesse
uma lata de molho de tomate da mercearia do seu pai. Assim não preciso ir até
lá. Ando tão cansada...
Nádia, que tinha um coração
muito bom, concordou na hora. Assim que a menina virou as costas, a bruxa –
pois a velhinha era a bruxa – começou a rir, esfregando as mãos.
– Puxa, como sou esperta! – ela
dizia.
A Nádia mesmo vai trazer o
molho de tomate para eu pôr em cima dela.
Chegando em casa com o pão,
Nádia pegou na prateleira uma lata de molho de tomate, e já ia saindo quando o
pai chamou:
– Ei, onde é que você vai?
- Uma velhinha me pediu para eu
levar uma lata de molho de tomate à casa dela.
– Nada disso – disse o Seu
Said.
– Se a tal velhinha estiver
precisando de alguma coisa, ela que venha buscar.
Nádia, que era muito obediente,
não insistiu. Mas no dia seguinte, quando ela saiu para fazer compras, a
velhinha chamou de novo:
– Como é, Nádia! E meu molho de
tomate?
– Desculpe – disse Nádia,
corando –, mas o meu pai não deixou. Ele disse que é para a senhora mesmo ir
buscar.
Está bem – disse a velha –, eu
vou.
De fato, naquele mesmo dia ela
foi à mercearia:
– Bom dia, Seu Said.
– Bom dia, minha senhora. O que
deseja?
– Eu queria a Nádia.
– Hein?
– Ah, desculpe... quer dizer:
uma lata de molho de tomate.
– Pois não! Grande ou pequena?
– Grande, é para pôr na
Nádia...
– O quê?
– Não é nada disso, eu quis
dizer que é para pôr no macarrão...
– Ah, tudo bem! Se quiser,
também tenho macarrão...
– Não precisa, não, já tenho a
Nádia...
– Como?
– Desculpe, eu quis dizer que
já tenho macarrão em casa...
– Então... aqui está seu molho
de tomate.
A velha pegou o molho de tomate
e pagou, mas em vez de ir embora ficou parada com a lata na mão:
– Hum! É meio pesado... Será
que não daria para o senhor...
– O quê?
– Mandar a Nádia levar para
mim?
Mas o Seu Said já estava meio
desconfiado.
– Não, minha senhora, não
fazemos entrega a domicílio. E a Nádia tem mais o que fazer. Se a lata é pesada
demais para a senhora, paciência, é só deixá-la aqui!
– Tudo bem – disse a bruxa. –
Pode deixar que eu levo. Até logo, Seu Said.
– Até logo, minha senhora.
E a bruxa foi-se embora,
levando a lata de molho de tomate. Chegando em casa, ela pensou:
“Tenho uma ideia. Amanhã de
manhã vou até a rua Mufetar, disfarçada de vendedora. Quando a Nádia for fazer
compras, eu pego ela..”
No dia seguinte, lá estava a
bruxa disfarçada de açougueira, quando a Nádia chegou.
– Bom dia, menina. Vai levar
carne?
– Não, obrigada, vou comprar
frango.
“Droga!”, pensou a bruxa.
No dia seguinte ela se
disfarçou de vendedora de frangos.
– Bom dia, garota, quer comprar
um frango?
– Não, obrigada, hoje vou levar
carne.
“Droga, droga!”, pensou a
bruxa.
No terceiro dia, outra vez
disfarçada, ela estava vendendo carne e frango.
– Bom dia, Nádia, bom dia! O
que você vai levar? Veja só, hoje estou vendendo de tudo: carne de vaca, de
carneiro, frango, coelho...
– Pois é, mas hoje eu quero
peixe!
“Droga, droga, droga!”
A bruxa voltou para casa e
ficou pensando, pensando, até que teve outra ideia:
“Tudo bem, já que é assim,
amanhã de manhã vou me transformar em TODAS as vendedoras da rua Mufetar!”
De fato, no dia seguinte todas
as vendedoras da rua Mufetar eram a bruxa (267 vendedoras).
Como sempre, Nádia chegou e,
sem desconfiar de nada, parou na quitanda para comprar legumes. Comprou umas
ervilhas e, quando foi pagar, a vendedora a agarrou pelo pulso e clac!
trancou-a na gaveta da caixa.
Felizmente Nádia tinha um
irmãozinho chamado Bachir. Como a irmã mais velha estava demorando para voltar
para casa, Bachir pensou:
“Decerto a bruxa pegou minha
irmã, preciso ir atrás dela.”
O menino passou a mão no violão
e lá se foi para a rua Mufetar. Quando foi chegando, as 267 vendedoras (que
eram a bruxa) começaram a gritar:
Onde você está indo, Bachir?
Bachir fechou os olhos e
respondeu:
– Sou um pobre ceguinho, queria
cantar uma canção para ganhar uns trocados!
– Que canção: – perguntaram as
vendedoras.
– Quero cantar uma canção que
se chama Nádia, onde está você?
Não, essa não, cante outra!
– Mas eu só sei essa!
– Então cante bem baixinho!
– Tudo bem, vou cantar
baixinho!
E Bachir começou a cantar bem
alto:
Nádia, onde está você?
Nádia, onde está você?
Responda que eu escuto!
Nádia, onde está você?
Nádia, onde está você?
Há tanto tempo não a vejo.
– Mais baixo! Mais baixo!
gritaram as 267 vendedoras. – Desse jeito você vai arrebentar nossos ouvidos!
Mas Bachir continuou a cantar:
Nádia, onde está você?
Nádia, onde está você?
De repente, uma vozinha
respondeu:
Bachir, Bachir, venha me soltar
senão a bruxa vai me matar!
Ouvindo essas palavras, Bachir
abriu os olhos, e as 267 vendedoras pularam em cima dele, gritando:
– É um cego falso! É um cego
falso!
Mas Bachir, que era muito
corajoso, levantou seu violãozinho e deu com ele na cabeça da vendedora que
estava mais perto. Ela caiu dura, e ao mesmo tempo as outras 266 também caíram.
Então Bachir foi entrando em
todas as lojas, uma por uma, sempre cantando:
Nádia, onde está você?
Nádia, onde está você?
Mais uma vez, a vozinha
respondeu:
Bachir, Bachir, venha me soltar
senão a bruxa vai me matar!
Dessa vez não havia dúvida: a
voz vinha da quitanda. Bachir entrou na loja, pulou por cima do balcão, bem na
hora em que a vendedora estava acordando do desmaio e abriu um olho. Ao mesmo
tempo, as outras 266 também abriram um olho. Felizmente, Bachir percebeu e, com
uma pancada de violão bem dada, fez todas desmaiarem por mais alguns minutos.
Então, ele tentou abrir a
gaveta da caixa, enquanto Nádia continuava a cantar:
Bachir, Bachir, venha me soltar
senão a bruxa vai me matar!
Mas a gaveta estava emperrada e
Bachir não conseguia abri-la. Nádia cantava e o irmão tentava... e enquanto
isso as 267 vendedoras acordaram de novo. Mas desta vez elas não abriram os
olhos! Ficaram de olhos fechados e foram todas se arrancando devagarinho até a
quitanda, para cercar o Bachir.
O menino estava exausto e não
sabia mais o que fazer. Então ele viu um marinheiro alto, jovem, de ombros
largos, que vinha descendo a rua.
– Bom dia, marinheiro, quer me
fazer um favor:
– Que favor?
– Levar esta caixa até nossa
casa. Minha irmã está presa dentro dela.
– E o que é que eu ganho em
troca?
– Você fica com o dinheiro e eu
fico com a minha irmã.
– Combinado!
Bachir levantou a caixa e já ia
passá-la para o marinheiro quando a vendedora de legumes, que tinha se
aproximado devagarinho, agarrou o pé dele e começou a guinchar:
– Ah, bandido, peguei você!
Bachir perdeu o equilíbrio e
largou a caixa. A caixa, que era muito pesada, caiu bem em cima da cabeça da
vendedora. Com isso, as 267 vendedoras caíram com a cabeça esmagada. Dessa vez
a bruxa morreu, e bem morta.
Mas não foi só isso. Com a
pancada, a gaveta da caixa abriu e a Nádia saiu.
Ela beijou o irmãozinho,
agradeceu, e os dois voltaram para a casa dos pais, enquanto o marinheiro
catava o dinheiro da bruxa.
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